Full transcript with edits:
A população brasileira é muito noveleira. Isto é, muitas pessoas adoram assistir as telenovelas. Eu não sei dizer quantas pessoas assistem telenovelas todos os dias hoje em dia. Mas eu posso afirmar com toda a certeza de que 90% das pessoas assistiam telenovelas quando eu era criança.
E hoje, como nosso assunto é muito amplo, muito abrangente para cobrir num só episódio, hoje nós vamos ter apenas um apanhado, ou seja, um resumo geral da história das telenovelas no Brasil.
E como as telenovelas não têm graça nenhuma sem vilões memoráveis, na nossa próxima conversação a gente vai falar de duas vilãs que praticamente todos os brasileiros de todas as idades conhecem.
Ah, e antes de continuar, ter graça significa ser interessante ou ser divertido. É uma expressão que você vai ouvir muito aqui no Brasil.
Então vamos lá. Por onde podemos começar?
Eu vou começar do fim e devagarinho a gente volta para o começo das coisas.
O que são telenovelas, afinal?
Só para começar, as novelas brasileiras não passam apenas no Brasil. Elas foram ao ar em muito mais de cem países do mundo inteiro. E ir ao ar significa ser transmitido. Nós falamos que um programa de rádio vai ao ar ou um programa de televisão vai ao ar. Para aqueles youtuberes mais velhos, um vídeo também vai ao ar, mas as crianças hoje em dia utilizam neologismo, que é o verbo “upar”, do inglês upload.
As telenovelas são os produtos brasileiros mais consumidos no mundo todo. Claro, temos a castanha-do-pará, o café e o futebol. Mas nenhum desses produtos suscita mais emoções por um período mais prolongado o que as telenovelas brasileiras.
E agora eu tenho uma confissão a fazer: quando eu era mais jovem, ali quando eu tinha 20, 25 anos, eu era um noveleiro assíduo. E assíduo aqui significa dizer que é alguém que nunca falta, que é muito inteligente e aplicado e continua frequentemente na mesma atividade. Por exemplo, você pode ouvir nossos podcasts assiduamente, tem um episódio novo, você ouve. Uma pessoa que escute nossos podcasts todos os dias é uma ouvinte assídua.
Então, como eu ia dizendo, eu era um noveleiro assíduo, ou seja, eu assistia todas as telenovelas disponíveis. E acredite em mim, não eram poucas. Na rede Globo, que é a maior empresa produtora de telenovelas aqui do país, era possível assistir telenovelas no começo da tarde, no fim da tarde, no começo da noite e no fim da noite. Esses horários correspondem ao que os brasileiros chamam de novela das 6, novela das 7 e novela das 8. Porque essas novelas normalmente começam perto de 6 horas ou por volta de 7 horas ou depois das 8:00 da noite.
A novela das 6 quase sempre é uma novela de época, e falar que algo é de época significa que algo remonta aos tempos passados, que algo faz referência aos tempos passados. Por exemplo, uma novela de época pode falar sobre o período da regência.
A novela das 7 sempre tem uma pegada de humor. E quando a gente diz que é uma novela ou um livro tem uma pegada de humor, isto significa dizer que essa coisa é humorística ou que diverte, mas o humor não é necessariamente o principal foco.
Já novela das 8 tem uma pegada mais adulta. É nela que a gente assiste crimes, nudez, violência, traição… tudo o que é ruim acontece na novela das 8. E acredite, a novela das 8 é quase sempre muito mais interessante.
A novela que passava à tarde, no começo da tarde, era um quadro especial, e um quadro é uma parte da programação de uma emissora de televisão ou de rádio, geralmente o quadro é incluído dentro de outro programa maior. Por exemplo, você provavelmente assiste a Ellen DeGeneres, ou a conhece. No programa dela tem vários quadros. Em um dos quadros mais importantes é a entrevista com algum convidado.
Então. Como eu ia dizendo, os brasileiros tinham muita oportunidade de assistir novelas na televisão. E os horários de que eu falei anteriormente são apenas os horários da emissora Rede Globo de Televisão. Aqui no Brasil, nós temos três grandes emissoras que transmitem novelas: rede Record de televisão, SBT, ou Sistema Brasileiro de Televisão, e Rede Globo. Todo brasileiro vai saber imediatamente do que você está falando se você mencionar uma dessas emissoras. E talvez não todos os brasileiros, mas a maioria dos brasileiros vai ter uma impressão bem definida de cada uma dessas emissoras.
Ah, o quadro de que falei se chama Vale A Pena Ver De Novo. E a frase vale a pena ver de novo é conhecida de quase todos os brasileiros. Se você disser para um amigo ou uma amiga “você gostava de assistir ao Vale A Pena Ver De Novo?”, com certeza essa é uma conversa longa que vocês vão ter.
Normalmente nós associamos o SBT às novelas mexicanas da empresa Televisa. É no SBT por exemplo que se pode assistir a tela novela A Usurpadora, ainda hoje conhecidíssima e muito querida.
Já a Record não tem boa reputação na produção de novelas sérias. Eles são bem mais intrépidos na seleção dos temas. E eu estou utilizando a palavra intrépido como uma brincadeira, de maneira jocosa, porque intrépido é uma palavra associada a coragem, audácia, e uma pessoa intrépida é uma pessoa que não sente medo quando precisa enfrentar uma dificuldade ou começar qualquer coisa nova. Não é comum na conversação.
Então, a reputação da Record não é muito boa, mas eles produziram telenovelas muito populares. Em especial, eles têm telenovelas de cunho religioso, e dizer que algo tem cunho religioso significa dizer que a natureza dessa coisa é religiosa, ela tem um caráter básico religioso. E essa expressão “de cunho ~” é muito utilizada quando a gente quer dizer que algo tem uma característica de blablabá. Por exemplo, problemas de cunho financeiro, seriam esses problemas relacionados às finanças.
E por fim temos a rede Globo que detém a hegemonia na produção e transmissão das telenovelas. E ter hegemonia ou deter a hegemonia significa ter a maior autoridade em um assunto ou em um campo profissional. Uma empresa pode ter a hegemonia no mercado, por exemplo. E quando eu fazia sociologia na universidade, os professores costumavam falar sobre a hegemonia dos Estados Unidos no resto do mundo. Claro um, isso era conversa de aula de sociologia, mas é um bom exemplo para você guardar.
A rede Globo produz novelas desde a década de 1960. Se você parar para contar, no ano de 2021, isso significa que a rede Globo tem uma experiência quase 60 anos na produção de telenovelas. E qualquer pessoa ou empresa que produza alguma coisa por tanto tempo provavelmente recorre a uma receita ou alguma fórmula.
E recorrer a alguma coisa significa utilizar essa coisa como instrumento ou ferramenta. Por exemplo, durante as minhas aulas, eu recorro a livros de gramática para fundamentar as minhas explicações.
E sim, a rede Globo meio que tem uma fórmula. Toda telenovela fala quase sempre do mesmo assunto fundamental: e esse mesmo assunto é um tipo de clichê. E um clichê pode ser alguma situação de uma história, por exemplo, que sempre aparece em todas as histórias. O exemplo que eu vou dar é o clichê que as novelas normalmente utilizam. Sempre tem um mocinho que se apaixona pela mocinha. O mocinho é uma outra palavra que nós utilizamos para o herói de uma história. A mocinha, por sua vez, é a heroína. O mocinho se apaixona pela heroína, mas eles não podem permanecer juntos porque precisam superar ou ultrapassar algum tipo de obstáculo. A família dele é rica e a família dela é pobre. A família dela é pobre e a família dele é rica. É um clichê que vem sendo utilizado há muito tempo. Você pode ver essa história em Romeu e Julieta, por exemplo.
Outro clichê muito comum entre as novelas é quando o filho descobre que os pais dele não são os pais biológicos. Aí começa uma busca incessante pelos pais biológicos e pela razão dos pais biológicos terem abandonado ou dado o filho para a adoção.
E mais um clichê utilizado em novelas, mas também romances e outras mídias, é o do “quem matou fulano”. Acontece um assassinato, tem 30 suspeitos e nenhum culpado. O culpado geralmente só é revelado no último capítulo e é quase sempre a pessoa de quem menos se suspeita. Não sei se conhece a Agatha Christie, mas é algo parecido.
Voltando para o começo… uma coisa que às vezes a gente se pergunta é da origem das telenovelas. De onde elas vieram?
Aqui no Brasil, em 1800 e bolinha (data não específica), existia uma coisa chamada folhetim. O folhetim era normalmente uma história longa publicada capítulo por capítulo num jornal. Era chamado de folhetim porque a história não ocupava toda a folha do jornal, ocupava apenas uma parte. Daí as pessoas rasgavam, arrancavam o pedaço do jornal em que estava história e aquilo se chamava folhetim, que é uma pequena folha.
O folhetim era publicado diariamente e muitos romances — tanto brasileiros como estrangeiros — foram publicados assim.
Então, existia a tradição, mas não o formato.
As telenovelas apareceram ali por 1950, mais ou menos. A emissora mais popular, uma das pioneiras na produção de telenovelas brasileiras, foi a TV Tupi, que foi uma emissora muito famosa e até hoje ainda se menciona o nome dela quando se fala de telenovelas no Brasil.
Os folhetins eram publicados diariamente, mas as primeiras telenovelas não podiam ser transmitidas diariamente. Naquele tempo não existia tecnologia boa e adequada para a gravação dos episódios ou dos capítulos. Por isso, as telenovelas eram transmitidas ao vivo, como um teatro. E ao vivo, normalmente a gente fala um programa ao vivo, é um programa ou reportagem ou qualquer transmissão feita no momento em que acontece. Se você assistir algo depois que isso acontece, significa que não é ao vivo, mas é uma gravação.
Depois, conforme a tecnologia foi evoluindo, as telenovelas passaram a ser gravadas.
Ah, e antes de continuar gostaria de explorar essa estrutura que acabei de utilizar.
Conforme… Indica que dois processos aconteceram ao mesmo tempo e o progresso dessas duas coisas têm relação um com o outro. “Conforme vou estudando mais português, descubro que o Brasil é um país de história muito rica.” “Conforme o tempo passa, vou percebendo o que realmente é importante.” É uma estrutura muito boa para você utilizar nas conversações em português.
As telenovelas normalmente têm muitos episódios. Cada episódio é chamado de capítulo, mas nem sempre. Algumas telenovelas têm 200, 210 capítulos. Isso dá o quê? Seis meses? Às vezes, as novelas ficam tanto tempo no ar que dá a impressão de que elas duram anos.
Mas não é só de telenovelas que vive a televisão brasileira. Nós também temos as minisséries, que são bem menores do que as novelas em número de capítulos. Duas minisséries brasileiras de que me lembro imediatamente são Chiquinha Gonzaga, que eu mencionei no último episódio do nosso podcast, e Hilda Furacão, Hilda Furacão é uma das histórias mais interessantes que já conheci.
Ela conta a história de uma mulher chamada Hilda Müller que vira prostituta depois de falar com uma cartomante. Uma cartomante é uma pessoa que adivinha o futuro utilizando cartas, como o tarô. Hilda Müller adota o nome de Hilda “Furacão” e ganha fama. Um padre, chamado Malthus, decide que pode realizar um milagre de convencer Hilda Furacão a não ser mais prostituta. E para fazer isso, ele decide exorcizar Hilda Furacão.
É uma minissérie que vale a pena assistir. Eu não recomendo para crianças nem menores de idade.
Ainda tem outra minissérie que recomendo assistir e que se chama Presença de Anita. De novo, não recomendo que crianças assistam essa minissérie. E só para contar uma coisa engraçada, minha tia-avó, ou seja, a irmã da minha avó se chama Anita e até recentemente era a única Anita que eu conhecia. Então, quando eu via a chamada, a propaganda, dessa minissérie, eu me lembrava de minha tia-avó. E se você conhecer o teor da minissérie, vai saber que essa associação não é nada agradável.
A palavra teor tem alguns significados bem diferentes, mas aqui significa o conteúdo de uma história ou de um texto. A gente utiliza a palavra “teor” para falar do teor alcoólico de uma bebida, por exemplo.
Lá no começo da discussão de hoje eu mencionei que muitos brasileiros são noveleiros, mas essa situação está mudando. Isso porque desde os anos 2000 o IBOPE das telenovelas vem caindo ano a ano. O IBOPE é a popularidade de uma novela com a audiência. É a audiência da telenovela. IBOPE é uma palavra muito utilizada no dia a dia dos brasileiros. Por exemplo, nós dizemos “não vou dar IBOPE pra você” e o que isso significa é que eu não vou dar atenção para você. E IBOPE é a sigla do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, que é uma empresa que averigua a popularidade de algum programa com a opinião pública. Mas mesmo com essa queda de IBOPE de que eu falei, as novelas ainda são muito populares e com certeza é algo que vai figurar nas suas conversas com brasileiros.
A premeira novela que eu posso me lembrar se chamou Cavalho de Aço de 1972. Uma outra antiga novela era Carinhoso. Nunca assisti uma novela completa. Só assisti alguns capítulos. Glen
Que legal, Glen! Parece que essa novela, Cavalo de Aço, era divertida… com esse nome! Carinhoso é o nome de uma música também, hehe. Ah, eu sempre fui noveleiro, mas já não tenho TV, então fica difícil assistir novelas…