Your #1 Source of Exercises and Texts for Elementary and Intermediate Brazilian Portuguese

Isaura, the White Slave

This is a podcast transcription for your benefit.

Talvez você ainda não conheça a música que está tocando, mas praticamente todos os brasileiros — ou quase todos, nem todo mundo está ligado no que acontece no planeta – como eu ia dizendo, praticamente todos os brasileiros conhecem essa música e associam esse lerê, lerê a uma novela popularíssima da década de 1970 e posteriormente do ano de 2004.

Você provavelmente não conhece, mas hoje vamos falar da Escrava Isaura.

Não sei se você sabe, e poucos brasileiros gostam realmente de tocar no assunto, mas o Brasil foi durante quase quatro séculos uma sociedade escravocrata. Isto quer dizer que no nosso país nós utilizamos a mão de obra escrava para trabalhos na lavoura, na construção e onde mais fosse necessário o trabalho braçal.

Eu digo que nem todos os brasileiros gostam de tocar no assunto porque para alguns nunca existiu escravatura. Hoje nós não vamos falar deles, mas é bom que você saiba da existência desse tipo de pessoa. Muito do que temos hoje em problemas sociais é oriundo de uma transição da escravatura para uma economia de livre mercado sem qualquer planejamento ou preparação.

[thrive_leads id=’519′]

Mas não vamos entrar nessas minúcias históricas e sociológicas. Porque o interessante aqui é o papel que o livro A Escrava Isaura teve na sociedade brasileira.

E também na vida de quase todos os brasileiros que passaram pelo ensino médio, porque esse é um clássico que também é leitura obrigatória.

O livro conta a história de Isaura, uma escrava que morava numa fazenda no município de Campos de Goytacazes, no Rio de Janeiro. Diferente de outras escravas, Isaura era alfabetizada, ou seja, ela sabia ler numa época que poucas pessoas sabiam. Mas os pontos extraordinários dela não param por aí. Além de saber ler e escrever em português, Isaura é uma exímia pianista, e exímia significa que ela tem um alto nível de habilidade, por exemplo, podemos dizer que alguém é um exímio escritor, um exímio cantor, um exímio advogado. É um sinônimo para a palavra excelente. Então, A Escrava Isaura sabe tocar piano, ler e escrever em português, em francês e em italiano. Só isso já basta para fazer o leitor pensar: como é que ela pode ser então educada se os escravos da época não recebiam educação?

E aí é que começa a história mesmo.

Isaura era filha de uma escrava do Comendador Almeida. E aqui uma nota histórica. Comendador era o título que recebia uma pessoa dona de uma comenda, que era um pedaço de terra geralmente dado pelo imperador. Quem recebia a comenda tinha a obrigação de defender a Terra contra invasores e inimigos. Hoje em dia uma comenda e Comendador são apenas coisas honoríficas, não têm mais o valor que tinham naquela época.

E como eu ia dizendo, Isaura era filha de uma escrava do Comendador Almeida. A mãe da Isaura se negava a ceder aos desejos licenciosos do Comendador. O Comendador impôs as mais terríveis sevícias, ou seja, os mais terríveis castigos corporais, e sevícia é uma palavra bem avançada. Não é todo brasileiro que vai reconhecer essa palavra imediatamente. E um dos empregados do Comendador, um homem chamado Miguel, era encarregado de punir os escravos, ou seja, ele tinha a obrigação e a responsabilidade pela punição da mãe de Isaura. Mas Miguel tinha um bom coração. Ele acabou foi tendo um relacionamento com a mãe de Isaura e Isaura é o fruto desse relacionamento.

Isaura nasceu branca e nas palavras do Narrador da história, ela tinha a pele da cor de marfim. E o marfim é aquela substância branca que forma o dente de um elefante. Você também escuta essa palavra no nome de um país chamado Costa do Marfim.

Por ser branca, Isaura foi adotada pela esposa do Comendador. A esposa do Comendador criou Isaura como se fosse da casa. Ela tinha vontade de libertar Isaura, mas só queria fazê-lo depois de sua morte. Isaura era, por assim dizer[1], uma dama de companhia cativa da esposa do Comendador.

No final das contas, o Comendador Almeida se aposenta, a esposa dele morre, e aí Isaura, assim como todos os bens do Comendador Almeida, ficam para seu filho, Leôncio, que é o vilão da história.

Leôncio sempre teve vontade de fazer as coisas mais escabrosas com Isaura, mas ela sempre era protegida pela mãe dele. Agora com a mãe morta e o pai longe, Leôncio imaginava que seria capaz de realizar suas fantasias maníacas, mas ele era casado com uma mulher chamada Malvina. Ele tinha se casado por conveniência, uma coisa muito comum naquela época e quem sabe hoje em dia, eu mesmo não sei, e por ter sido um casamento por conveniência, porque o Leôncio queria o dinheiro da esposa, ela exercia um determinado controle sobre ele. Assim, apesar de Leôncio querer muito ficar com Isaura, ele tem lá um empecilho, um obstáculo, e empecilho é uma palavra muito comum no dia a dia. Com esse empecilho, Leôncio dá em cima de Isaura, mas ele tenta refrear os próprios instintos.

Mas Isaura não desperta o amor ou os desejos apenas de Leôncio. Praticamente todos os homens de fora da família dela têm algum interesse seja sexual ou amoroso. Isso porque Isaura é de uma candura encontradiça apenas em anjos. E candura aqui está sendo usada no sentido figurado. E significa pureza. E encontradiço é um adjetivo de que eu gosto muito é significa algo que pode ser encontrado o que é encontrado frequentemente. Os corvos, por exemplo, são pássaros encontradiços no norte da Califórnia.

Nesse negócio de todo mundo querer ficar com Isaura, acontecem vários problemas: primeiro, Malvina, que é a esposa de Leôncio, flagra Leôncio dando em cima da Isaura. Malvina então dá logo um ultimato: ou ela cai fora ou eu vou embora.

Nessa outra, Miguel, o pai de Isaura, tinha um acordo com o Comendador Almeida. Miguel podia comprar a alforria da filha, e alforria era um documento na época do Brasil escravagista, como eu dizia era um documento que declarava que um escravo agora era livre. Não que ele tivesse direitos, porque nunca esteve nos interesses do Brasil que os escravos tivessem algum direito. Eles agora eram livres e para o Império do Brasil eles poderiam explodir ou voar para a Lua, que não fazia diferença.

Agora pondo observações parentéticas de lado, o Comendador e Miguel tinham esse acordo, mas o dono de Isaura agora era Leôncio e ele não tinha nenhuma intenção de cumprir sua parte do acordo. Miguel apareceu com o dinheiro, mas Leôncio deu uma desculpa e não aceitou o pagamento.

E eu não sei se você ainda lembra, mas Malvina tinha dado um ultimato a Leôncio: ou ele se livrava de Isaura ou Malvina iria embora. E Leôncio sempre foi muito facínora, ou seja, perverso. Ele se esquiva de Malvina o quanto pode. E esquivar-se de alguém significa evitar uma pessoa, provavelmente porque essa pessoa quer falar com você sobre algo muito desagradável ou que você não gostaria de ouvir. No caso de Leôncio, ele se esquivava de Malvina porque ela queria que ele libertasse Isaura para que Isaura pudesse ir embora. Mas Leôncio tem uma sorte maligna. O Comendador Almeida, seu pai, morre e Leôncio finge estar de luto, ou seja, ele finge estar triste por seu pai ter morrido. Mas claro isso é apenas um estratagema, e um estratagema aqui é um tipo de fingimento, uma manobra que não é sincera para enganar outra pessoa.

Mas não deu muito certo para Leôncio, porque Isaura nunca cedeu aos desejos ensandecidos de Leôncio. E ensandecido aqui significa que é característico de quem não tem mais razão na cabeça, de quem ficou louco. E é o que a gente pode dizer que Leôncio sentia por Isaura: um desejo ensandecido.

E vai que nessa história Malvina vai embora, cansada de insistir.

E agora na casa ficam apenas Leôncio e Isaura. É uma situação aterrorizante, porque antes Malvina era quem protegia Isaura, ainda que a contragosto, e aqui dizer que ela fazia algo a contragosto significa dizer que ela fazia algo contra a sua vontade, ela não queria mesmo fazer, mas era uma obrigação.

Quando viu que sua filha agora ia cair nas garras de Leôncio, Miguel ficou muito preocupado e propôs fugir com a filha para outra cidade, e eles fugiram para Recife. Lá, os dois adotaram nomes falsos, meio que se integraram na sociedade local e viveram tranquilos até conhecer Álvaro.

Álvaro era um jovem bonito, rico, republicano, ou seja, ele era contra o Império e naquela época o Brasil era um Império, e talvez de maneira mais importante Álvaro também era abolicionista.

É importante dizer que apesar de o Brasil ter sido uma terra escravocrata por quase 400 anos, sempre houve algum tipo de oposição a esse sistema. Claro que sempre foi uma oposição tímida e muito conivente com a situação, e ser conivente significa achar que uma situação é conveniente para si e aceitá-la, ainda que essa situação não seja proveitosa para todos. Por exemplo, minha vizinha é muito barulhenta, mas de vez em quando ela me dá uma cerveja. Como eu gosto das cervejas que ela me dá, eu não reclamo do barulho que ela faz. Então eu sou conivente com a situação.

Bom, e a oposição ao sistema escravagista era exatamente o movimento abolicionista, e a palavra abolicionista vem do verbo abolir, que significa anular ou fazer parar. E o que os abolicionistas queriam era abolir a escravatura. O movimento foi ganhando força por vários motivos. E embora muitas pessoas digam que o romance A Escrava Isaura tenha tido um papel importante na Abolição da Escravatura, pelo menos para mostrar às pessoas que o tratamento dado aos escravos era algo terrível, o Brasil só deixou de ser escravocrata mesmo porque não tinha mais jeito, já que toda a comunidade Internacional estava também abolindo ou já não tinha mais esse tipo de sistema (inclusive, a Inglaterra teve um papel muito importante nesse assunto, mas essa é uma conversa para outro dia.)

Álvaro pertencia ao movimento abolicionista. Mas ele não sabia que Isaura era uma escrava –afinal, como ela poderia ser uma escrava se ela era branca?

E como Isaura estava fugindo (legalmente ela pertencia a Leôncio), ela não contava para ninguém que era uma escrava. No fim das contas, Álvaro insistiu para levá-la a uma festa, um baile, e no baile alguém sabia que Isaura era uma escrava e a denunciou e foi uma confusão danada, foi uma situação bem longa e conflituosa.

Para encurtar a história, o Leôncio vem pegar a Isaura, pois ela é sua por direito, ou seja, legalmente, ele leva Isaura embora, mas Álvaro não deixa isso barato. E não deixar alguma coisa barato, em geral nós dizemos não vou deixar isso barato, não deixar algo barato significa não permitir que uma situação continue sem que você tome uma atitude, seja para resolver a situação ou para se vingar. Por exemplo, vou falar de novo da minha vizinha. Todo dia ela deixa lixo na minha porta e eu não sei por que, mas eu não vou deixar isso barato. Eu vou na casa dela, vou jogar lixo no chão da casa dela e ainda vou dizer que ela é feia.

Então, Álvaro acaba descobrindo que Leôncio já não tem mais dinheiro, porque ele está falido, ou seja, ele tem mais dívidas do que ele tem dinheiro e ele não pode pagar. Então Álvaro compra todas as dívidas de Leôncio e vira dono de tudo o que Leôncio possui, incluindo a Isaura.

E como a Isaura ama o Álvaro, ela corre para os braços dele e fica muito feliz. Já o Leôncio não fica lá muito feliz não. Ele diz que nunca vai pedir a piedade ou a clemência de ninguém, sai da sala e se mata.

E todo mundo fica feliz.

O Livro A Escrava Isaura foi publicado em 1875, quando o movimento abolicionista era muito mais forte. Aqui no Brasil a Abolição da Escravatura aconteceu em 1888 e no ano seguinte o Brasil se transformou numa República, com presidentes e tal.

Abolição da Escravatura aconteceu da noite para o dia, a gente pode dizer. Num dia todos os negros eram escravos e no dia seguinte eles eram livres, mas nunca aconteceu nenhum tipo de plano governamental nem muito menos societário para o que os agora cidadãos livres pudessem de fato sobreviver. Data daí o surgimento de muitas favelas e bairros pobres que hoje em dia ainda são majoritariamente negros aqui no Brasil.

Mas Bernardo Guimarães, o autor de A Escrava Isaura, lutou com as armas que tinha e fez o que podia. Ninguém se comovia com uma escrava negra naquela época porque todo mundo via o tipo de castigo que se aplicava àquelas pessoas e ninguém fazia nada a respeito. Foi preciso que uma escrava branca “sofresse”, e aí colocamos o termo sofrer entre aspas, para que a sociedade tomasse nota do que estava acontecendo.

A Escrava Isaura virou filme em 1949 e teve duas adaptações novelísticas de muito sucesso. Uma amiga minha da Rússia, e se você estiver escutando Irina muito obrigado pelas informações, então, a Irina, essa minha amiga da Rússia, me contou que A Escrava Isaura foi uma novela muito popular ali na Rússia na década de 1990, e eu sei que no resto do mundo ela também teve uma ótima recepção.

Então, minha recomendação para você é assistir à novela e, quando o seu português estiver muito avançado, ler o livro, porque ele é muito desafiador até para brasileiros.

E agora eu tenho um recadinho para você. Obrigado.

[1] Por assim dizer: so to speak

  • Oba! Foi uma historinha muito interessante. Gostei muito.
    E muito triste que as pessoas sejam maltratadas só por color da pele. A única diferença entre as cores da pele e a melanina.

    • Sim, tristíssimo… mas é ainda muito comum, especialmente no Brasil. O que muito me surpreende, sendo o Brasil a mistura que é. As pessoas precisam refletir mais.

  • >